quinta-feira, 26 de junho de 2008

DO SILÊNCIO À CULPA

Artigo

Do silêncio à culpa*, por Rodrigo Mariano da Rocha*

Quem cala consente? Quem não deve não teme? Por que, afinal, existe este "direito ao silêncio", se isso pode ser um empecilho à punição - fazendo com que, por exemplo, uma CPI termine em "pizza"? Ou, resumindo, "se és inocente, por que calas?", parafraseando Nicolau Eymerich, um frei dominicano, autor do livro Directorium Inquisitorum - Manual dos Inquisidores, escrito em 1376 e revisto e ampliado por outro inquisidor dominicano, Francisco de La Pena, em 1578.
Como se vê, esta questão remonta a um passado sombrio, cheio de sangue, fogo e horror. Remonta ao Tribunal do Santo Ofício, à Inquisição levada a efeito pela Igreja Católica - que tinha como "manual" o livro de Eymerich.Isso porque a Inquisição objetivava que o "herege" (hoje, o réu ou, o que é pior, o mero suspeito) confessasse seus pecados e ganhasse com isso a absolvição, a remissão dos pecados, nem que para isso tivessem que utilizar da tortura (que era regra). Esta seria a melhor maneira de se conseguir a tão sonhada "verdade".
Contudo, como refere o processualista espanhol Perfecto Ibañes, nessa época não só crimes/pecados não cometidos foram confessados, como também alguns impossíveis de serem praticados.
Esta breve digressão histórica serve especialmente para pontuar o quão caro foi para a humanidade o "direito ao silêncio" e quanto sangue e horror envolve o seu desrespeito.No atual estágio de democracia e, também, de avanço em matéria de tecnologia ao auxílio das investigações, a confissão, a palavra do investigado/réu é, sem dúvida, uma das provas menos importantes.
Para que é necessária a confissão e a fala de uma pessoa se é possível interceptar suas comunicações (via telefonia, e-mails e mesmo mensagens instantâneas)? Se é possível fazer diversas provas técnicas, por que a confissão, a voz do acusado? Talvez pelo mesmo motivo que levava as pessoas a irem às praças do medievo assistir às fogueiras do Santo Ofício.
O investigado, quando usa a palavra, na verdade está exercendo um direito, que é a autodefesa positiva. Mas, se não fala, também está exercendo outro direito, que é a autodefesa negativa.
Se isso será prejudicial, somente compete avaliar quem o defende. O processo penal e a investigação preliminar são, na verdade, termômetros do nível de democracia e civilidade dos países. E isto importa em respeitar o direito ao silêncio.
Até porque quem não deve teme, e muito.
* Publicado na Zero Hora de 20/04/2008
*Advogado criminalista, mestrando em Ciências Criminais-PUCRS